quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Mapa da Dor no Brasil

Chamou-me a atenção essa semana a divulgação no Fantástico do resultado de uma pesquisa sobre o mapa da dor no Brasil. Quando vi a chamada do programa para a matéria, logo me lembrei da minha enxaqueca, velha companheira de longos anos da qual já tentei me livrar várias vezes e das mais diversas maneiras, mas até agora não consegui. No princípio, sua chegada causava-me profunda irritação, a ponto de me aborrecer com esposa e filhos sem nenhum motivo plausível - incrível como usamos as pessoas que amamos como alvo para onde lançamos as flechas das nossas frustrações e ou decepções- ficava sensível a som, vozes e também à claridade.
Com o passar do tempo, fui me acomodando e hoje, vejam só, já a trato carinhosamente de “minha enxaqueca”. Temos um relacionamento duradouro, quase afetuoso, sei exatamente quando ela está chegando, quanto tempo vai durar e o que devo fazer para que me deixe temporariamente. Nunca senti saudades, é verdade, mas sinto falta quando em circunstâncias favoráveis ela não comparece, não dá o ar da graça. Cheia de vontades, e admito que por minha culpa, ela tem lá suas exigências, não sai com qualquer medicamento e nunca antes que eu a ponha para dormir por alguns preciosos minutos.
Voltando ao fantástico, confesso um tanto envergonhado, que vislumbrei, na tal reportagem, a possibilidade de um rompimento definitivo com minha enxaqueca, sonhei sem nenhuma compaixão expurgá-la da minha vida como se fosse uma dorzinha qualquer sem nenhuma importância.
A pesquisa do IBGE feita em nove capitais nos mostrou a importância e a grandiosidade da minha “amiga” ao concluir que mais da metade dos brasileiros sofrem de dor de cabeça, logo não estou sozinho, o que se não é um consolo, é uma demonstração do espírito democrático da “nobre” enxaqueca. Sem nenhuma solução, concluí que meu caso com a enxaqueca está cientificamente longe de chegar ao fim. Quero registrar, porém, que, apesar dos anos que nos conhecemos e dos muitos e inesquecíveis momentos que passamos juntos, não me arrependo da malfadada tentativa de me livrar dela, mesmo sabendo que ela não tem nenhuma intenção de me abandonar.
Todavia o que mais me chocou na reportagem, foi a infeliz solução apresentada pela Fisioterapeuta Patrícia Mazoni, que, ao analisar o problema de dores nas costas sofrida por uma costureira ao final da cansativa jornada de doze horas diárias de trabalho, apresentou uma solução e emprestou a um livro uma função inusitada. Reproduzo aqui ipsis literis a fala da supracitada profissional: – “A cadeira é baixa e deve ter uma almofada para assentar e apoiar um pouquinho melhor a coluna. Outro detalhe são os pés; uma perna é usada para costurar e a outra está com o joelho bem dobrado, dificultando a circulação da perna. Vamos resolver o problema do pé, colocando um livro” e arrematou a amante de livros e profissional de fisioterapia, “A gente consegue adaptar para diminuir a dor e a tensão”.
Confesso que nunca imaginei um dia ver e ouvir em rede nacional tão “fantástico” exemplo de desprezo ao conhecimento e à cultura. Que a costureira precisava de um apoio para seus pés ou não, não sou competente para tecer qualquer comentário, mas, mesmo não sendo pedagogo, sei perfeitamente que livros não foram escritos para apoiar pés cansados. Em um país onde os livros são caros e os leitores raros, uma profissional com a formação e reputação (para aparecer no fantástico deve ter muitos títulos e excelente reputação) deveria tomar um pouco mais de cuidado com o que diz e com os exemplos que oferece.
Para a enxaqueca ainda não há cura, mas para a ignorância, analfabetismo, falta de escolaridade, temos, sim, solução. Uma política educacional séria, que prime por uma educação primorosa nos primeiros anos de escolaridade, que capacite os profissionais da educação, e lhes dê tratamento à altura da função nobre que executam, entre outras ações, poderá a longo prazo solucionar o problema educacional brasileiro. Mas, é claro, não devemos esquecer, os livros devem ser usados para formar novos leitores, poetas, filósofos, médicos, fisioterapeutas, cidadãos que, independentemente da profissão escolhida, tenham acesso amplo e fácil aos livros e seu conteúdo e que saibam que os livros não foram escritos para serem pisados.

Um comentário:

  1. Primeiro gostaria de destacar que não sabia que nosso querido Pastor sofria tanto com essa "tal enxaqueca". Segundo, realmente fiquei passada com a solução apresentada pela Fisioterapeuta no Fantástico. Se um design assitiu isso, com certeza deve ter pulado do sofá de tanto rechaço. Diria que é questão de ergonomia! rsrs Paulo Freire também deve ter "virado" no túmulo de tanta vergonha. Certo é que a "pobre" da costureira deve estar à procura até hoje de um livro que se adapte ao seu tamanho. Coitados dos livros e coitada da costureira! hehehehe
    Beijos
    Isa

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