sábado, 29 de agosto de 2009

O inferno são os outros



Jean-Paul Sartre, se não o mais célebre, com certeza, o mais conhecido dos filósofos existencialistas, em sua mais famosa peça teatral, Entre quatro paredes, pinta um cenário no qual três pessoas vão para o inferno. Não o inferno de tormentos, de horrores, quente, fétido, abarrotado de almas acorrentadas e aterrorizadas por criaturas diabólicas, mas uma sala mal decorada e com móveis antigos. Neste recinto sem cor, sem beleza, sem atrativo, os hóspedes têm que conviver com os defeitos, mazelas e feiúras dos outros por toda eternidade. É neste contexto que um dos moradores cunha uma das mais conhecidas frases da obra de Sartre: “O inferno são os outros”. Essa frase sintetiza a natureza humana. Dentre os chamados mecanismos de defesa do “ego”, a psicologia relaciona a projeção que é o ato de atribuir a uma outra pessoa, animal ou objeto as qualidades, sentimentos ou intenções, que se originam em si próprio. Somos mestres em transferir para os outros, não só nossas responsabilidades, mas também em projetar nos outros os nossos defeitos e feiúras. A culpa da nossa infelicidade pode ser dos políticos, do governo, do país, cidade ou município onde moramos, do sistema econômico adotado, do chefe, do colega de trabalho, do vizinho e, até mesmo, dos nossos pais e familiares em geral.
O fato é que qualquer um pode ser o culpado de nossas desgraças e sofrimentos e, quase sempre, encontramos alguém a quem responsabilizarmos pelos nossos desencontros e percalços. O culpado é sempre o outro, a razão de nossos fracassos e dificuldades é outra pessoa. Raramente reconhecemos que nós somos os responsáveis pelos nossos problemas e que nossas dores de cabeça têm origem em nós mesmos. Por esta ótica, sou obrigado a concordar com Sartre que “O inferno são os outros”. Geralmente, temos dificuldades em admitirmos nossos defeitos, reconhecermos nossos pecados, assumirmos nossas culpas. Somos seres quase perfeitos, quase, porque ainda precisamos dos outros e porque precisamos dos outros nos tornamos vítimas de suas imperfeições, seus vícios, suas fraquezas, portanto reféns do inferno que eles são para nós. É muito cômodo vivermos assim, mas somos desafiados pelo Senhor Jesus a admitirmos nossos pecados, assumirmos nossas culpas. O evangelho nos ensina que a virtude está em reconhecermos nossas fragilidades, maldades e impurezas. Em Cristo, somos motivados a assumirmos que usamos máscaras e ensinados a retirá-las. O feio, o desprezível, o inferno são as máscaras que usamos, as quais nos afastam das pessoas que amamos e daquelas com quem convivemos diuturnamente. Precisamos, então, trocar a projeção e transferência pela empatia, que é a capacidade que todos nós, seres humanos, temos de nos colocarmos no lugar do outro. Alcançamos a maturidade psicológica quando conseguimos “inverter os papéis”, usando a empatia como ferramenta nos nossos relacionamentos. Que tal exercitarmos, a partir de hoje, imaginando como seria enfrentarmos os desafios da chefia ou da subordinação em nossos locais de trabalho, imaginando-nos atendendo ao público em uma repartição pública com filas quilométricas, oferecendo-nos para ajudar na faxina do escritório, depois de um dia de trabalho? Imaginemo-nos dirigindo um ônibus lotado no final do dia em um transito caótico. Como nos sentiríamos se tratados como tratamos as pessoas nestas circunstâncias? Após este exercício, certamente passaremos a tratar as pessoas com mais respeito e paciência, seremos mais tolerantes e saberemos valorizá-las. Sei que não desejamos ser o inferno para os outros, por isso precisamos aprender a agir com simpatia, pois todos nós gostamos de quem nos trata bem. Sejamos, portanto, cordiais, atenciosos, carinhosos e educados. Um bom dia, boa tarde ou boa noite, um sorriso, um abraço, um olhar, quebra o gelo nos relacionamentos e pode vir a ser o início de uma sólida amizade. Seja uma pessoa alegre, contagiante, a alegria é um excelente antidepressivo e anti-estressante. Ninguém quer estar perto de uma pessoa casmurra, emburrada, zangada e mal humorada. Com amor, empatia, simpatia e solidariedade, aprenderemos a ver o outro como um instrumento de Deus nas nossas vidas. Passaremos a vê-lo como ferramenta para nos moldar, segundo a vontade do Pai Eterno, que nos deixou como exemplo a Trindade Santa, a mais abençoadora comunidade. Em Cristo Jesus, o outro não é meu inferno, e sim, meu irmão, meu companheiro, meu amigo.