A
MORTE
A
morte é a curva da estrada.
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
(Fernando Pessoa)
Domingo à noite a Igreja evangélica
brasileira perdeu um dos seus membros mais lúcidos que já conheci. O Bispo
Anglicano Robison Cavalcanti e sua fiel companheira foram barbaramente
assassinados em sua própria casa. Impossível conhecer o Robison e não admirá-lo
por sua inteligência, vivacidade, simplicidade, amor ao evangelho e compromisso
para com a igreja do Senhor Jesus.
Cheguei ao seminário em Recife em 1982 e
pouco tempo depois conheci o Robson que era Persona non grata para a cúpula do
SPN naquela época (Seminário Presbiteriano do Norte), vivia rodeado de alunos
que bebiam ávidos os seus ensinos e não perdiam por nada as suas palestras
ministradas na sede da casa de estudantes de teologia na Rua Demócrito de Souza
Filho, quase em frente ao portão do SPN. Reverenciado por todos, nos tratava
como iguais, respondia pacientemente cada pergunta e dava atenção especial a
cada um de nós.
O Robison era muito mais que um
intelectual pensando a igreja, o víamos como um pastor que obstinadamente
guerreava contra forças adversas que embotavam a visão da igreja, tornando-a
uma organização desprovida de paixão pelos perdidos, incapaz de compreender o
homem como um ser com necessidades que vão além da salvação da alma, para o
Robison a missão não se encerrava com a inscrição do nome no livro da vida e a
conseqüente aquisição do passaporte para o céu, era preciso muito mais. A
pregação do evangelho e aceitação do mesmo, conforme seus ensinos traziam
consigo profundas mudanças éticas, morais, políticas e sociais. Aceitar a
Cristo significava comprometer-se integramente com as verdades do evangelho,
redirecionar a vida toda de conformidade com as prioridades do Reino de Deus e
amar como Jesus amou e por isso deu a sua vida.
Ironicamente, nas palavras do meu amigo
Rev. Antonio Florêncio Alves Neto o Robison morreu porque amou. Morreu pelas
mãos de seu filho adotivo. Um filho biológico pode ser fruto de descuido, não
ser fruto de uma escolha, não significa que não será amado com a mesma
intensidade que o filho programado, sonhado, esperado. Já o filho adotivo, é
filho do coração, pura escolha, puro amor, pura paixão. Quem adota um filho,
não faz para aprender a amá-lo, visto que a adoção já é um ato de puro amor.
Adotar é repetir na historia o que Deus no conselho da trindade fez conosco na
eternidade quando decidiu em Cristo nos adotar como filhos por meio do
sacrifício na cruz sangrenta.
Portanto, podemos afirmar que quem adota
se assemelha a Deus, que nos amou de tal forma que nos tornou seu filho
mediante a adoção. Adotar é muito mais que um ato jurídico, é um ato de
profunda afetividade, pois quem adota está disposto a oferecer a uma criança
quem não veio do seu sêmem, não foi gerada no seu ventre, muito mais que bens
materiais, mas o seu coração. O casal Cavalcanti não foi vitima de um homicida
qualquer, mas foi vitimado pelo filho adotivo, o filho que eles gestaram no
coração. Parece absurdo, mas foi morto por um filho, um homem que viveu sob o
signo do amor ao próximo como expressão do seu amor a Cristo.
Gosto da forma como o poeta Fernando
Pessoa define a morte em seu poema intitulado a Morte, para ele morrer é dobrar
a curva da estrada, morrer é só não ser visto.
O Robison e sua
querida esposa dobraram a curva da estrada pela ação homicida de quem eles
tanto amaram. Acertou o poeta, a vida não acaba para quem morre em Cristo, mas
ela se plenifica, deixando de ser efêmera para ser eterna, deixa de ser cheia
de dores e sofrimento pra ser plena de gozo e saúde, deixa de ser cheia de
incertezas e contradições para ser a concretização das promessas bíblicas que
enche de esperança o nosso caminhar.
Morrer é não ser
visto. Não veremos mais o Robison, ele dobrou a curva da estrada não será mais
visto. No entanto o seu legado permanecera entre nós, seus ensinos continuarão
edificando a igreja do Senhor Jesus, seu exemplo de amor permanecera falando
aos nossos corações, nos motivando a continuar a jornada, enfrentando com
coragem as lutas do dia a dia, amando neste mundo de tanto ódio, adotando mesmo
sabendo que muitos estão abandonando os seus entes queridos, amando mesmo sem
sermos amados, amando conforme o exemplo de Jesus. Ele não esta entre nós, se
foi na curva da estrada, nossos olhos não mais o vêem, mas o seu exemplo nos
estimula a viver e morrer por amor aquele que foi a cruz por muito nos amar.
Ivan José Santos Silva