quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Vitimados pelo filho do coração




A MORTE

A morte é a curva da estrada.
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.

                              (Fernando Pessoa)



Domingo à noite a Igreja evangélica brasileira perdeu um dos seus membros mais lúcidos que já conheci. O Bispo Anglicano Robison Cavalcanti e sua fiel companheira foram barbaramente assassinados em sua própria casa. Impossível conhecer o Robison e não admirá-lo por sua inteligência, vivacidade, simplicidade, amor ao evangelho e compromisso para com a igreja do Senhor Jesus.

Cheguei ao seminário em Recife em 1982 e pouco tempo depois conheci o Robson que era Persona non grata para a cúpula do SPN naquela época (Seminário Presbiteriano do Norte), vivia rodeado de alunos que bebiam ávidos os seus ensinos e não perdiam por nada as suas palestras ministradas na sede da casa de estudantes de teologia na Rua Demócrito de Souza Filho, quase em frente ao portão do SPN. Reverenciado por todos, nos tratava como iguais, respondia pacientemente cada pergunta e dava atenção especial a cada um de nós.

O Robison era muito mais que um intelectual pensando a igreja, o víamos como um pastor que obstinadamente guerreava contra forças adversas que embotavam a visão da igreja, tornando-a uma organização desprovida de paixão pelos perdidos, incapaz de compreender o homem como um ser com necessidades que vão além da salvação da alma, para o Robison a missão não se encerrava com a inscrição do nome no livro da vida e a conseqüente aquisição do passaporte para o céu, era preciso muito mais. A pregação do evangelho e aceitação do mesmo, conforme seus ensinos traziam consigo profundas mudanças éticas, morais, políticas e sociais. Aceitar a Cristo significava comprometer-se integramente com as verdades do evangelho, redirecionar a vida toda de conformidade com as prioridades do Reino de Deus e amar como Jesus amou e por isso deu a sua vida.

Ironicamente, nas palavras do meu amigo Rev. Antonio Florêncio Alves Neto o Robison morreu porque amou. Morreu pelas mãos de seu filho adotivo. Um filho biológico pode ser fruto de descuido, não ser fruto de uma escolha, não significa que não será amado com a mesma intensidade que o filho programado, sonhado, esperado. Já o filho adotivo, é filho do coração, pura escolha, puro amor, pura paixão. Quem adota um filho, não faz para aprender a amá-lo, visto que a adoção já é um ato de puro amor. Adotar é repetir na historia o que Deus no conselho da trindade fez conosco na eternidade quando decidiu em Cristo nos adotar como filhos por meio do sacrifício na cruz sangrenta.

Portanto, podemos afirmar que quem adota se assemelha a Deus, que nos amou de tal forma que nos tornou seu filho mediante a adoção. Adotar é muito mais que um ato jurídico, é um ato de profunda afetividade, pois quem adota está disposto a oferecer a uma criança quem não veio do seu sêmem, não foi gerada no seu ventre, muito mais que bens materiais, mas o seu coração. O casal Cavalcanti não foi vitima de um homicida qualquer, mas foi vitimado pelo filho adotivo, o filho que eles gestaram no coração. Parece absurdo, mas foi morto por um filho, um homem que viveu sob o signo do amor ao próximo como expressão do seu amor a Cristo.

Gosto da forma como o poeta Fernando Pessoa define a morte em seu poema intitulado a Morte, para ele morrer é dobrar a curva da estrada, morrer é só não ser visto.

O Robison e sua querida esposa dobraram a curva da estrada pela ação homicida de quem eles tanto amaram. Acertou o poeta, a vida não acaba para quem morre em Cristo, mas ela se plenifica, deixando de ser efêmera para ser eterna, deixa de ser cheia de dores e sofrimento pra ser plena de gozo e saúde, deixa de ser cheia de incertezas e contradições para ser a concretização das promessas bíblicas que enche de esperança o nosso caminhar.  

Morrer é não ser visto. Não veremos mais o Robison, ele dobrou a curva da estrada não será mais visto. No entanto o seu legado permanecera entre nós, seus ensinos continuarão edificando a igreja do Senhor Jesus, seu exemplo de amor permanecera falando aos nossos corações, nos motivando a continuar a jornada, enfrentando com coragem as lutas do dia a dia, amando neste mundo de tanto ódio, adotando mesmo sabendo que muitos estão abandonando os seus entes queridos, amando mesmo sem sermos amados, amando conforme o exemplo de Jesus. Ele não esta entre nós, se foi na curva da estrada, nossos olhos não mais o vêem, mas o seu exemplo nos estimula a viver e morrer por amor aquele que foi a cruz por muito nos amar.

Ivan José Santos Silva