terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A atualidade do velho espelho narcísico



Vivemos uma tremenda crise de humanidade, as pessoas estão cada vez mais distantes uma das outras, cada vez mais indiferentes, frias e desafeiçoadas. Os relacionamentos se tornam cada vez mais mecânicos, superficiais e vazios. Somos uma tribo composta por pessoas estranhas, sem vínculos duradouros, sem cola, sem afeto.
Andamos por ruas entulhadas de seres estranhos, uma multidão de gente sozinha, sem conexão e sem vínculos. As cidades incham, os condomínios se multiplicam e os consultórios de psicanálise se tornam o refugio de uma multidão solitária, sem rumo, cheia de coisas e vazia de relacionamentos.
Vivemos em um mundo narcisista. Narciso não apenas se achava o mais belo dentre os seres humanos, mas também se achava perfeito e pleno, as suas virtudes lhe bastavam para viver e morrer, não necessitava de mais ninguém além de si mesmo. Assim como Narciso buscamos a plenitude, a completude, a capacidade de vivermos sozinhos. A sociedade pós-moderna ama coisas e despreza pessoas, por isso, no afã de conquistar a independência financeira alguns sacrificam a família, mulheres matam o desejo da maternidade, jogamos fora velhas e duradoras amizades e nos desumanizamos como o personagem da mitologia grega, porque adoramos ver refletida a nossa imagem em nossos espelhos.
Nessa busca desenfreada por coisas, bens e patrimônios, que são paradigmas modernos do velho espelho narcísico, se materializa a nossa carência por espelhos. Sei que pode parecer pobreza verbal dizer que valemos pelo que temos e não pelo que somos, mas essa é uma verdade cada vez mais presente em nossos dias, as coisas que nos possuem também nos projetam, razão porque nos tornamos cada vez mais escravos da mente narcísica que rege o nosso mundo.
Multiplicar bens é como multiplicar espelhos, pois o que possuímos nos projeta além das angustias asfixiantes da alma e assim como o espelho que refletia a beleza deslumbrante de Narciso, sem se importar com a sua alma, as coisas que temos nos projeta aos olhos da sociedade e vende a todos a nossa imagem de sucesso e poder, sem revelar nossa pobreza afetiva e nossa alma enferma. Como geralmente associamos felicidade ao poder de compra, logo, concluímos que quem tem mais bens é mais feliz.
Como Cristãos precisamos combater essa mentalidade narcisista que com sua batuta comanda a nossa agenda, estabelece nossas prioridades e rege nossas vidas ao som da sua musica fúnebre. Ser de Cristo é antes de tudo, “ser humano”, é ter a capacidade de olhar além do espelho e desprezar os valores humanos que nos envaidece e que fecha nossos olhos à verdade de Deus.
Quando trocamos Narciso e sua mentalidade egoísta por Cristo e sua ênfase na pureza da alma, no amor ao próximo, nos relacionamentos verdadeiros e profundos, entendemos que os espelhos deste mundo nos hipnotizam e nos impedem de contemplar a beleza de Deus revelada nos relacionamentos, na comunhão, na alegria de fazer uma refeição juntos, na companhia agradável de amigos, no sorriso de um filho, no abraço carinhoso do conjugue.
Em Cristo,
Ivan José

Um comentário:

  1. Domingo passado, recebi a recomendação do livro "Freakonomics: O lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta" de Steven Levitt. No livro (que não li) o autor, que é economista, explica que ainda que queiramos pautar as coisas pela ética e a moralidade, na verdade utilizamos, sem saber, as regras da economia. Creio que daí possa vir boa parte dessa distorção de valores.

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